Por quem os sinos dobram?
Como dizia o poeta, “Coragem, coragem, eu sei que você pode mais".
Já estava há alguns dias sem notícias dele, quando recebi um WhatsApp no final da tarde de sexta. Desta vez, não era um pedido de socorro, felizmente, era só um agradecimento. Daqueles que vem com coraçãozinho e tudo e fazem a gente apreciar imensuravelmente a sorte de ter a profissão que tem. A coordenadora da escola avisou a mãe que ele estava “querido, brincando e participando”.
A história desse menino começa antes do nascimento. Com 27 semanas de gestação, a mãe é internada com pré-eclâmpsia e, com 31 semanas, ele nasce. UTI, ventilador, sonda, cirurgias. Um bebê ultra-manipulado e hiper-invadido por cateteres, sensores e agulhas, com um cérebro superdespreparado para enfrentar tudo isso.
Não deu outra: distúrbio do desenvolvimento. (Qual deles? Não importa, ele já ganhou todos os rótulos que você puder imaginar).
Eu o conheci um pouco antes de completar 10 anos. Loiro, com óculos e sardas, um pequeno furacão impaciente, atrapalhado com as letras e os números, querendo atenção. A mãe? No fundo do poço. Esgotada, triste, endividada, desnorteada, desamparada. Parecia estar ali num último fiozinho de esperança que lhe restava de que alguém pudesse ajudar.
Na última consulta com um médico, ela havia cruzado dois estados e mais de 700km para ouvir que o filho não tinha mesmo jeito e que deveria economizar colocando em escola pública. Saiu com uma prescrição de haldol, mais horas de ABA e um alerta de que o filho estava no caminho para se tornar um delinquente.
Eu já falei aqui antes sobre como eu tenho aversão ao diagnóstico de TOD (transtorno opositor desafiante). A história desse menino representa bem o problema de tomar esse caminho e acreditar num pseudo diagnóstico como explicação para os problemas da criança. Quando você assume, fatalisticamente, que a criança age de uma determinada forma porque tem um transtorno, como TOD, você está dizendo que ela é deliberadamente ruim, vingativa, manipulativa. Que ela faz isso porque quer. Porque tem prazer em ser assim.
O ponto é que, embora isso até exista (em psicopatas), a imensa maioria das crianças não bate, xinga, grita porque quer. Não é uma questão de falta de vontade (de se comportar bem), é de falta de habilidade (para se comportar bem). It's a matter of skill, not will, como diz o grande Stuart Ablon, criador do ThinkKids. É uma questão de habilidade, não de vontade. Kids do well if they can.
Ninguém quer se comportar “errado”. A ideia é que crianças que se comportam mal, o fazem porque lhes faltam certas habilidades — não porque são mal-educadas, malcriadas ou porque lhes falta vontade de fazer bem, acertar e ser como as demais.
Que tipos de habilidade? Segue a lista, se você quiser saber.
O legal é que tudo isso pode ser trabalhado e desenvolvido. Não como um treinamento mecânico, com drills e repetições. Nem na base da punição e recompensa (isso funciona, mas por pouco tempo). Exige amor, tempo, compreensão, carinho, paciência – além, é claro, de uma boa psicoterapia (muitas vezes para pais + filhos). Não é fácil.
Mas o ponto de partida é simples, basta acreditar: acreditar que a criança é capaz, que ela não faz de propósito, que ela é essencialmente boa e só não está conseguindo agir como gostaria, se pudesse.
Se você não conseguir ver ou acreditar nisso, fica difícil. Como dizia Raul, "Convence as paredes do quarto, e dorme tranquilo. Sabendo no fundo do peito que não era nada daquilo".
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