O que é mais difícil na experiência de pais e mães de autistas? Quando eu penso sobre isso, tentando preparar os que estão ingressando nesse universo ou ajudar os que já estão mergulhados de cabeça, é a baixa reciprocidade que me vem à cabeça. Esta não é uma percepção universal, seguramente.
Muitos pais dirão que as maiores dificuldades são violência, bullying, rejeição, isolamento. Infelizmente, tudo isso é - ou pode ser - verdade. Mas eles são pontos na trajetória. São momentos, episódios. Circunstâncias específicas os trazem à tona. A reciprocidade, porém, é algo da experiência diária. É algo constitutivo. É a linha, não o ponto.
Nós, neurotípicos, somos seres sociais. Mesmo os que não são chegados em festas, gente e compartilhar sentimentos abertamente: somos seres sensíveis ao fator social, antenas e radares sempre ligados. Quando conversamos uns com os outros, somos sensíveis a uma enorme quantidade de pistas sociais que nos dizem se a outra pessoa está interessada, se é afável, se é falsa e está se fazendo, se está nervosa. Organizamos e ajustamos nosso comportamento a partir dessa leitura - o que fazemos ou deixamos de fazer, o que dizemos ou deixamos de dizer. É um jogo, um vai-e-vem, uma troca, porque mesmo não querendo, somos seres sociais.
Daí vem seu filho. O ser que você mais ama nesse mundo. E ele é indiferente. Ele não dá trela. Parece surdo. Não te ouve, não te responde. Te ignora. E não é porque você está mandando escovar os dentes, ir dormir ou apagar a TV. Não é desobediência. Não é TOD. É autismo mesmo. Chama-se baixa reciprocidade social. Isso faz qualquer um se sentir desimportante, invalidado, desnecessário. Ou usado, já que quando a coisa aperta, ele vem te chamar.
A baixa reciprocidade tira o equilíbrio da relação. São dois ritmos, a dança não flui, falta retorno. Tira o feedback natural e prazeroso (ao menos para cérebros sociais típicos) que se ganha em estar junto com outra pessoa, brincando, conversando, ou simplesmente dividindo um ambiente. O que vem de fora, dos outros, não diz respeito a mim. Ignoro porque não interessa (se interessar, claro, são outros quinhentos. Daí é sobre o que eu quero; não sobre o que o outro quer).
Essa aparente indiferença é muito nuclear à mente autista. Não é por mal, falha de caráter ou empatia. Muita gente é assim sem ser autista, diga-se (mais um lembrete de que os traços autistas estão distribuídos na população). As pessoas que convivem com autistas precisam entender isso. Que baixa reciprocidade não é falta de amor, respeito, consideração. É da natureza de ter um cérebro autista. E a gente precisa primeiro entender, depois aceitar e, por fim, (o mais difícil) - não sofrer.