Está na lei 12764/2012, que estabelece a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:
“A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.”
Embora eu entenda que o sentido da lei é beneficiar as pessoas com deficiência, garantindo-lhes os direitos devidos e necessários, eu receio que essa lei tenha sido redigida de forma muito inclusiva e possa ocasionar mal entendidos. Penso em como a lei é percebida por autistas não-deficientes, especialmente aqueles recém-diagnosticados, que estão ainda tentando acomodar a ideia na cabeça. Penso também sobre todas as outras crianças e famílias que enfrentam condições de saúde mais graves e menos conhecidas que não recebem a mesma atenção que o autismo. Penso no lobby e na dita “indústria do autismo".
Ora, autismo — por si só — não é deficiência. Existe autismo COM deficiência, o que corresponde a 30% dos casos aproximadamente. Mas autismo, em si, não implica necessariamente algum tipo de deficiência (dificuldade não é deficiência). O indivíduo é autista e tem uma comorbidade, um quadro associado, de deficiência cognitiva, mental, intelectual. Deveria ser óbvio que a lei se aplica exclusivamente a autistas com deficiência. Mas daí, na verdade, a Lei não seria sobre autismo, seria sobre deficiência. É, no mínimo, confuso.
Autismo com deficiência é uma condição específica, que tem até CID diferente. A Classificação Internacional de Doenças (CID) reconhece a existência de 5 categorias diagnósticas distintas dentro do guarda-chuva transtorno do espectro autista, que variam em função de dois parâmetros: linguagem e cognição.
Lembro daquele chavão “cada pessoa é única” e daquele outro, afilhado, “se você conheceu uma pessoa com autismo, você conheceu uma pessoa com autismo” - que remetem à pluralidade e à diversidade natural da espécie humana. A natureza do autismo torna os autistras, talvez, pessoas mais diferentes, talvez excêntricas, incompreendidas, desajustadas. Únicas, como todos nós. Ser autista torna, muito possivelmente, as suas vidas mais complicadas, suas experiências mais intensas, mas isso não as define ou as limita. São pessoas plenamente capazes e que não teriam motivo para serem consideradas ou entendidas socialmente como pessoas com deficência.
Equivaler todo autismo a deficiência é um equívoco e, estando escrito em lei, arrisca provocar percepções distorcidas generalizadas sobre o que significa ser autista.