"Doutora, quando nós recebemos o diagnóstico de autismo, eu e minha esposa fizemos um pacto: não deixar ele nunca sozinho por mais de 20 minutos". Ouvi o pai dizer aquilo e na hora me arrepiei; a frase, mais ou menos essa, ficou na minha cabeça a semana toda. Fiquei num misto de admiração e curiosidade por aquele casal, estupefata da intuição que eles tiveram sobre o que deveriam fazer.
O que eles pensaram não foi recomendado por nenhum profissional, não está escrito nos livros e hoje não é mais do que uma hipótese científica, mas é algo que eu pessoalmente acredito - e muito.
Eles entenderam que, se deixassem o filho sozinho, ele iria ficar fazendo coisas repetitivas, isolado do mundo. E intuíram que isso não era bom. Se não fizessem o esforço consciente de a cada 20 minutos retirar o filho da solidão e conectar com ele, o menino provavelmente ficaria sentado no chão com seus brinquedos, alinhando, rodopiando, indiferente ao redor. Ou ficaria se agitando, correndo, pulando, se balançando, igualmente indiferente ao redor. Ficaria, como costumo carinhosamente dizer, "autistando".
Eu acredito que esses pais estavam certos e, mais do que isso, que talvez esse seja o princípio ativo por trás das intervenções intensivas para autismo, aquelas envolvendo muitas horas semanais. Desmantelar os componentes principais, os princípios ativos, destes pacotes de intervenção virou uma espécie de Santo Graal. Se soubermos exatamente o quê, que parte, qual componente de uma intervenção abrangente faz com que o "tratamento" funcione, teríamos terapias mais custo-efetivas, que poderiam ampliar o acesso e serem implementadas mais facilmente em outros ambientes, como escolas, por exemplo.
Sabemos que as intervenções funcionam, mas não sabemos o porquê. Sabemos que funcionam, mas que a variabilidade de resposta é imensa. Poucos estudos comparam um tipo de intervenção à outra, não sabemos dizer qual é a melhor e nem ao menos temos uma resposta segura quanto ao tipo de estratégia de ensino mais eficiente: será melhor usar uma estratégia diretiva (o adulto dando a direção à criança) ou uma responsiva (o adulto seguindo a direção da criança)?
A questão talvez não seja tanto o que é feito na intervenção, mas o que deixa de ser feito. Sobra menos tempo sozinho; menos tempo para se isolar; menos tempo para se fixar nos interesses. Em uma terapia intensiva, a criança é estimulada a se comunicar e interagir, formando e fortalecendo conexões neurais que são pobres ou pouco desenvolvidas. Mas não é só isso: ela também deixa de reforçar aquelas que já são fortes e só se fortalecerão mais pelo uso recorrente. Se tem alguma coisa que a neurociência já demonstrou com clareza, é isso: lei do uso e desuso. As conexões cerebrais são fortalecidas pelo uso e enfraquecidas pelo desuso.
Eu apostaria que o princípio ativo é este: conexão. Conseguir se conectar com a criança, com seu mundo, com seus interesses. Conseguir (com)partilhar experiências com ela. Fortalecer o cérebro social e enfraquecer tudo que puxa a criança para longe de nós
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