Autismo Profundo - o que você precisa saber
Quatro fatores exigem especial atenção em crianças minimamente verbais
É provável que você nunca tenha escutado essa expressão - autismo profundo (do inglês, profound autism). O termo é recente, foi cunhado em um artigo seminal de 2022 de autoria conjunta dos principais gurus do campo. Na contracorrente do avanço do “espectro”, com a inclusão de casos cada vez mais leves sobre o rótulo de autismo, esse assunto vem ganhando espaço e, no último INSAR (o maior congresso de autismo), o tema foi assunto de uma das conferências principais.
Autismo Profundo é um termo “administrativo” para designar crianças e adultos com autismo que têm, ou provavelmente terão quando adultos, necessidade de acesso 24 horas a um adulto que possa cuidar deles, sendo incapazes de ficar completamente sozinhos em uma residência. Muitos desses indivíduos precisam de constante monitoramento, mesmo quando adultos, devido a questões de segurança, incluindo maior risco de sofrerem abuso e maus-tratos.
O termo autismo profundo não é apropriado para crianças pequenas. Seu emprego pode começar a ser considerado, com o consentimento e a participação das famílias, a partir da idade escolar (cerca de 8 anos em diante) para crianças com autismo e deficiência intelectual grave (QI menor que 50) ou linguagem mínima. A idade de 8 anos ou mais se justifica em razão da evidência de que é provável que estes dois fatores - linguagem e inteligência - não se modifiquem significativamente a partir daí. O quociente de inteligência (QI) geralmente é determinado através de testagem formal (testes como WISC, Columbia, etc). Linguagem mínima, na prática, significa não ser capaz de se comunicar com um estranho usando frases compreensíveis.
É importante frisar que nem todo indivíduo com QI muito baixo ou linguagem mínima terá autismo profundo. Alguns fatores (abaixo) parecem ser muito relevantes na configuração desses quadros mais graves. A boa notícia é que se tratam de fatores que são — em algum grau — modificáveis (isto é, passíveis de mudança com a devida intervenção ou tratamento):
habilidades adaptativas ou de “vida diária”: saber descongelar comida no microondas não exige linguagem ou comunicação. Desenvolver habilidades no campo da vida ordinária (vestir-se, higienizar-se, alimentar-se) tem um valor enorme. Começa com coisas pequenas, como apagar a luz, fechar a porta, abrir a gaveta, colocar pasta de dente na escova. O estímulo à autonomia do indivíduo é da maior relevância no contexto do autismo.
habilidades de enfrentamento ou coping: tolerar, aguentar, não se irritar. Ter a capacidade de se adaptar a diferentes situações sem perder o controle depende de flexibilidade cognitiva e é outro fator prognóstico importante.
sono: dormir é mais do que essencial. Dormir mal é tanto causa quanto consequência de inúmeros problemas. Pessoas estressadas e ansiosas dormem mal e retroalimentam um círculo vicioso que está na raiz de muitos problemas observados clinicamente. O cérebro precisa de descanso à noite para eliminar a carga de toxicidade do dia – e dormir é a única forma de fazer isso.
regulação emocional: indivíduos que desenvolvem (ou têm de base já) uma menor reatividade e uma melhor capacidade de controlar suas emoções frente a adversidades e frustrações têm menor incidência de problemas de saúde mental e, com isso, melhor prognóstico.
Assim, embora o autismo profundo seja definido formalmente por variáveis relacionadas a linguagem e cognição, outros fatores que não a comunicação ou o QI, são importantes mediadores da entrada nesse grupo a que ninguém deseja pertencer.
Falar sobre autismo profundo, criar uma “categoria” específica para esse subgrupo de indivíduos, é uma forma de dar visibilidade a eles, do ponto de vista clínico e de pesquisas. A preocupação da comunidade científica é que, na esteira do (salutar) movimento da neurodiversidade, esses indivíduos e suas famílias terminem marginalizados, relegados a segundo plano. Isso em parte já acontece: a maioria das pesquisas, por exemplo, não inclui autistas severos, excluindo participantes com este perfil. Com a ampliação do espectro em direção a casos mais "leves” e as atenções voltadas à população neurodivergente ou neurodiversa, é fundamental garantir espaço e reconhecimento a esses indivíduos que dependem, muito, de todos nós.