As lições de uma autista de sucesso
Regras claras e consequências consistentes, associadas a altas expectativas dos pais, podem fazer a diferença na trajetória individual
Estou lendo um livro da Temple Grandin - talvez a autista mais famosa do planeta. Para quem ainda nunca ouviu falar, ela é hoje professora numa faculdade americana e uma das maiores vozes em defesa das pessoas no espectro. Há mais de um filme sobre ela, e os seus livros e palestras são fontes muito valiosas de insight sobre o universo autista.
No livro, Unwritten Rules of Social Relationships (As Regras não-Escritas dos Relacionamentos Sociais), ela fala um pouco sobre os elementos que fizeram dela uma pessoa bem sucedida na vida. Temple nasceu nos anos 1950 – numa época onde não havia conhecimento, nem terapias, nem nada. Ela foi praticamente não-verbal até os 4 anos e a recomendação dos médicos à época foi institucionalizá-la (colocar num hospital para deficientes e deixá-la por lá). Foi a convicção da mãe, de que ela era capaz de aprender, desde que as coisas lhe fossem ensinadas do jeito certo, que mudou essa história.
Algumas coisas que a ajudaram são de natureza individual: ela coloca a sua personalidade inventiva, criativa e curiosa como algo que fez diferença, assim como um alto grau de motivação interna e uma auto-estima positiva. Ela só foi se dar conta, de fato, de que era diferente dos demais na adolescência – antes disso, ela tinha uma vaga ideia. E, até por isso, não se inibia: fazia de tudo, participava de tudo. Nunca se viu como uma pessoa limitada ou que precisasse de tratamento especial.
Temple cresceu num ambiente rural, com muita atividade ao ar livre, numa época em que não havia espaço para atividades solitárias intensivas, a la videogame, televisão, celular e afins. Era um tempo de pipa, sucata, de brincar de avião, dar comida aos animais; dentro de casa, jogava-se cartas com os irmãos, jogos de tabuleiro com os vizinhos. Jantava na mesa com a família, cumprimentava as visitas, auxiliava os adultos nas tarefas da casa.
Outro fator que fez diferença: viver numa comunidade onde as relações sociais eram fortes. Sua pré-escola tinha 12 crianças e todos eram convidados para festas e brincavam uns com os outros – não havia exclusão e as oportunidades de socializar eram frequentes.
Os pais exigiam educação e obediência dos filhos. Crescer nos anos 1950-1960 deu a Temple uma enorme vantagem competitiva, se comparada aos autistas de hoje. Lá atrás, as expectativas sociais eram não apenas claras, mas uniformes entre as famílias. Não tinha essa coisa de "aqui em casa a gente faz assim", "cada um educa do seu jeito". Bem ou mal, a linha entre o certo e o errado era uma reta bem demarcada, e as expectativas em relação ao comportamento esperado eram altas e inquestionáveis. Nas palavras dela:
Isso está certo; isso está errado. Todas as mães ensinavam as mesmas maneiras aos filhos e os responsabilizavam por seus comportamentos. Era uma sociedade muito mais unida do que é hoje.
Regras de comportamento claramente definidas e consequências consistentemente aplicadas fizeram toda a diferença. A mãe ensinava e cobrava "bons modos" e "etiqueta social", e a consequência por não as cumprir era a perda de algum privilégio. Essa vida doméstica bem estruturada, somada à expectativa alta dos pais, ajudaram o seu desenvolvimento, fazendo-a entender como deveria se comportar, o que era esperado dela. Tem uma enorme lição a se aprender aqui.