Renata,
Estou com dificuldade para explicar para os avós do Pedro tudo aquilo que você nos disse na consulta. Para nós, fez muito sentido! Eles acham que os comportamentos do Pedro são normais, mas sabemos que não e preciso que eles entendam o problema para poder nos ajudar e, principalmente, ajudar a ele.
Queridos avós,
Escrevo-lhes para falar do seu neto Pedro, que conheci há pouco tempo. Pedro tem algumas características no seu desenvolvimento, que estão atrapalhando a forma como se comporta em casa, na escola e, imagino, com vocês também. Como outros médicos que me antecederam, vejo que ele tem algumas características, sutis, que se observam em crianças com autismo. Ele não é autista - no sentido de que não tem um quadro completo do transtorno. Mas tem o que chamamos de traços autistas.
Dá para fazer um paralelo disso com outras condições: tem gente que é deprimida, mas não está "em depressão"; tem gente que é ansiosa, mas não tem um transtorno de ansiedade. Quase tudo na área médica, no fundo, é assim: dimensional (em "graus") e não categórico (sim ou não). Para definir doença, de uma forma mais ou menos arbitrária, a gente convenciona um ponto de corte e diz que, a partir dali, é doença. Por exemplo: pressão alta é 140/90, mas quem tem 130/85 já também não tem pressão "normal"; é pré-hipertenso. É disso que estamos falando.
No caso específico do Pedro, o maior problema é a chamada reciprocidade social. Ele é um menino muito afetivo, querido, que gosta de estar com as pessoas, de ganhar atenção e de dividir, mostrar e falar das suas coisas para os outros. O problema está no sentido contrário, na via de volta dessas trocas sociais: ele não consegue dar a mesma atenção para o que os outros querem. Ele fala o que está na cabeça dele, mas não responde tão bem ao que é dito ou perguntado a ele. Às vezes ignora, faz que não escuta; outras, desvia do assunto ou diz que não sabe. Tem dificuldade de se engajar em conversas iniciadas pelo outro, de se interessar e aceitar o que o outro diz, pede ou quer. Enfim, é menos recíproco socialmente.
O que isso acarreta, por vezes, é uma dificuldade de se relacionar com outras pessoas. Por que é preciso estar atento ao outro, ler os sinais e aceitar jogar o jogo das relações: ganhar, perder, ceder, negociar. Perceber e tolerar que o outro pensa diferente, quer diferente, faz diferente – e tudo bem. É nessa habilidade que ele tem dificuldade. Aceitar numa boa, sem brigar, sem perder a cabeça, sem ficar intransigente (o que chamados de rigidez cognitiva: as coisas precisam ser só de um jeito, desse jeito, do jeito que ele quer). Isso tudo, embora difícil, é trabalhável, ensinável e estamos começando um trabalho nesse sentido. Espero que vocês entendam e nos ajudem, porque a família é peça-chave nesse processo. Contem comigo.
Um abraço,
Renata Kieling